Heróis da resistência

Fundação Mario Peixoto agiliza cultura com teatro

"Do que você gosta no curso?" - O Foco quis saber de Larissa Kely, 9 anos. "De tudo" - responde ela imediatamente. A mesma resposta seria dada por qualquer um a quem fosse dirigida a pergunta na turma de 28 alunos do professor Ednardo Araujo (ele com 34 anos; eles com idades entre 9 e 42). Entusiasmo, alegria, esperança: sentimentos visíveis em um grupo que, reunido sob as bençãos dos deuses do teatro, resiste ao marasmo cultural que assola Mangaratiba e localidades próximas.
A Fundação Mario Peixoto, presidida por Leandra Carvalho, foi buscar Ednardo, trabalhando como cozinheiro, dentro do Hospital de Mangaratiba, distrito onde seus pais sempre moraram. Esse foi o emprego que ele conseguiu, por concurso público, ao voltar para Mangaratiba depois de ter estudado teatro na Escola Martins Pena, no centro do Rio.Mas descobriram que ele tinha feito pequenas participações em elencos de apoio de novelas globais, foi o que bastou para ser convidado, em abril desse ano, a conduzir um curso de teatro no Centro Cultural Cary Cavalcanti.
A transformação já começou. Única adulta da turma, Edna Amendola, 42 anos, acompanhada da filha Andressa (12), conta que se sente feliz praticando improvisação e outros exercícios. É estranho ser a única adulta? - pergunta O Foco. "Não, eu aprendo muito com eles" - responde com um sorriso aberto. A filha revela que quer ser atriz, trabalhar na televisão. E no cinema? - arrisca o repórter. "Claro", diz ela, cinema também. Sonhos, sonhos. O único  menino na sala , Gustavo Heitor Velludo, 14 anos, irmão de Larissa - que abriu essa matéria -, diz ter chamado amigos para participar. Pequeno e franzino, Gustavo parecia muito à vontade: chinelos, bermuda e camiseta, apesar do frio que fazia fora da sala. A mãe de ambos, orgulhosa, acompanhava a entrevista, sonhando para os filhos, talvez, o mesmo que Andresasa sonha para si: televisão e fama.
A fama - conseqüência e não objetivo da profissão, como esclarece Ednardo - pode ser sim a motivação, mas os resultados do cursos são mais concretos: perda da timidez, melhora nos relacionamentos interpessoais, mais auto-confiança, aumento da vontade de estudar, desenvolvimento da memória, etc. Mas a falta de adultos no curso, que Ednardo não sabe explicar, será sentida principalmente quando ele acabar de escrever "Eu, tu, eles e a torcida do Flamengo", comédia que espera um dia ser encenada por atores locais.; Para as crianças ele prepara um espetáculo inspirado no folclore de Mangaratiba e uma adaptação do clássico "O mágico de Oz", musical baseado na obra de L. Frank Baum. A primeira peça infantil ele espera ver nos palcos em outubro, em escolas e demais locais carentes da atração desse tipo.
A luta contra indigência cultural, que a Fundação Mario Peixoto corajosamente vem travando já há algum tempo, rende frutos também no CEFEC (Centro Ferroviário de Cultutra) de Itacuruçá, onde Ednardo também dá aulas, deixando os tempos de cozinheiro para trás: agora é tempo de semear arte no coração das pessoas.

Fonte Jornal O Foco - Ano 4 - edição 84 - julho de 2010